Goiás quer ser polo estratégico na produção de insumos para transição energética

Especialistas discutem como o país pode transformar suas reservas em liderança sustentável, unindo ciência, indústria e responsabilidade socioambiental.

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O avanço da transição energética e das tecnologias de ponta recoloca as terras raras no centro das discussões estratégicas globais. Elementos fundamentais para a produção de baterias, ímãs permanentes, turbinas eólicas e equipamentos de alta tecnologia, esses minerais críticos estão no radar de países que buscam segurança de suprimento e independência tecnológica.

O Brasil, detentor de importantes reservas, tem diante de si o desafio de transformar esse potencial em liderança sustentável, conciliando inovação, competitividade e responsabilidade socioambiental. Para aprofundar esse debate, com foco no desenvolvimento da cadeia produtiva das terras raras em Goiás, o Minde (Sindicato da Indústria da Mineração do Estado de Goiás e Distrito Federal) e o Senai realizaram na sede da FIEG, em Goiânia, dia 16 de setembro, o seminário “Terras Raras: da Mineração ao Beneficiamento e Fabricação de Produtos Tecnológicos de Alto Valor Agregado”. O evento contou com o patrocínio das empresas Anglo American, Grupo Curimbaba, Lundin Mining, Aclara Resources, Power Minerals e Mineração Serra Verde.

Conforme explicou André Rocha, presidente da FIEG (Federação das Indústrias do Estado de Goiás), a proposta é construir, de forma colaborativa, um conjunto de diretrizes que possa subsidiar a Federação na formulação de uma política industrial voltada ao aproveitamento econômico e tecnológico das terras raras extraídas no estado. Além de ampliar a geração de empregos e renda, a verticalização da cadeia pode consolidar Goiás como um polo estratégico para a produção de insumos essenciais à transição energética global — como baterias, ímãs e componentes eletrônicos. “Precisamos ir além da simples extração para focar em inovação, pesquisa e desenvolvimento (P&D) que viabilizem a industrialização de terras raras. A iniciativa, alinhada aos temas globais de mudanças climáticas, transição energética e inteligência artificial, busca posicionar o estado como um polo estratégico na nova economia”, defendeu Rocha.
Joel Braga, Secretário de Estado da Indústria, Comércio e Serviços, salientou que Goiás demonstra pioneirismo e liderança no setor: “foi o primeiro estado a registrar seu Plano Estadual de Recursos Minerais (PERM) na Agência Nacional de Mineração (ANM), garantindo segurança jurídica, e tornou-se o primeiro das Américas a exportar terras raras. O projeto Serra Verde, com um investimento de quase 600 milhões de dólares, já exporta o material, atraindo grande interesse internacional, evidenciado pela visita de uma delegação japonesa de alto nível (incluindo executivos da Toyota) logo após uma missão goiana ao Japão”.

Potencial geológico e vantagens competitivas do Brasil

A apresentação de Marcelo Carvalho, diretor Executivo da Meteoric Resources, teve como tema “Brasil – Centro de novo mercado sustentável de terras raras? Perspectivas e desafios”. Segundo ele, o Brasil reúne condições geológicas e estratégicas para se tornar um dos principais players globais no mercado de terras raras, insumos fundamentais para a transição energética e para a indústria de alta tecnologia. “Eu não vim falar da minha empresa, vim falar sobre o setor e as oportunidades que os depósitos de terras raras do Brasil oferecem para o país”, disse o executivo logo na abertura de sua apresentação.

Para Carvalho, a trajetória brasileira nesse campo ganhou destaque com as descobertas de lítio no Vale do Jequitinhonha, porém, mais recentemente, os depósitos de terras raras vêm atraindo investimentos expressivos. “Hoje, não tenho a menor dúvida de que o Brasil tem os melhores depósitos de terras raras do mundo”, afirmou.

O executivo explicou que, apesar de os elementos conhecidos como “raros” não serem escassos na natureza, a dificuldade está na sua separação. Quatro deles têm valor estratégico crescente: neodímio, praseodímio, térbio e disprósio, fundamentais para a produção de ímãs de alta potência utilizados em turbinas eólicas, veículos elétricos, equipamentos de defesa, robótica e medicina. “A demanda desses elementos deve ao menos dobrar nos próximos dez anos, e os institutos ainda subestimam esse crescimento porque setores como a robótica sequer entram nas projeções atuais”, ressaltou.

O executivo alertou, entretanto, para a dependência global da China, que hoje controla cerca de 90% do mercado industrial e 70% da produção mineral. “Se a China fechar a torneira, em cinco semanas montadoras europeias param suas linhas de motores elétricos. O Departamento de Defesa dos Estados Unidos compra 100% dos ímãs que utiliza da China. A dependência é total”, enfatizou.

Carvalho destacou que o Brasil tem uma vantagem competitiva relevante: depósitos de argilas iônicas, semelhantes aos chineses, mas em condições geológicas mais favoráveis. O exemplo emblemático é a Caldeira de Poços de Caldas (MG), considerada por ele um “unicórnio geológico” pelo volume e teor mineral. “Só dentro da caldeira nós temos reservas equivalentes ao dobro do Vietnã. Esse depósito pode se tornar para as terras raras o que Carajás representa para o ferro”, comparou.

Outro polo promissor está no norte de Goiás, com depósitos de granitos alcalinos ricos em elementos pesados. “São os maiores teores de terras raras pesadas do mundo. Isso é altamente relevante, porque esses elementos têm maior valor agregado e uma demanda explosiva”, destacou.

Se projetos como os da Meteoric, Aclara, Viridis e Serra Verde avançarem simultaneamente, o Brasil poderá produzir entre 30% e 35% da oferta mundial em poucos anos. “Estamos no lugar certo, na hora certa. O desafio é transformar esse potencial em produção real”, disse Carvalho.

Entre os principais entraves, o executivo citou a previsibilidade no licenciamento ambiental, o financiamento de projetos e a necessidade de políticas públicas consistentes. “Como explicar a um investidor estrangeiro que o licenciamento pode levar de dois a cinco anos, dependendo do estado? Isso compromete a competitividade”, criticou.

Sobre financiamento, ele apontou limitações do BNDES, que exige garantias incompatíveis com empresas juniores. “Se não conseguirmos financiar no Brasil, teremos que buscar fora. Mas aí viramos exportadores de commodities, porque o financiamento externo vem amarrado a contratos de venda antecipada”, avaliou.

Carvalho defendeu a criação de mecanismos de parceria público-privada e maior engajamento governamental, citando exemplos internacionais. “A Austrália aportou US$ 1,7 bilhão em um projeto que nem era economicamente viável. Os Estados Unidos investiram US$ 300 milhões em uma empresa no ano passado e vão investir mais US$ 500 milhões agora. Esses governos estão garantindo que os depósitos saiam do chão”, comparou.

Para o diretor da Meteoric, o passo inicial é claro: “Não adianta falar em indústria sem antes falar em mineração. Esses depósitos ainda estão no chão. Primeiro precisamos tirar o minério, produzir carbonato, e depois estruturar a cadeia industrial”. Ele concluiu reforçando a oportunidade de o Brasil criar uma cadeia ocidental de suprimentos de terras raras sustentáveis, com rastreabilidade, padrões de ESG próprios e competitividade internacional. “Podemos ser a base de um novo mercado global, oferecendo não apenas volume e qualidade, mas também sustentabilidade. Essa é a grande chance do Brasil”, finalizou.

Brasil será “gota no oceano” diante da demanda global

O Brasil está diante de uma oportunidade histórica para se consolidar como fornecedor de terras raras estratégicas, mas o desafio é grande diante da escala de demanda mundial. A avaliação é de Murilo Nagato, country manager da Aclara no Brasil, que destacou em sua apresentação o avanço tecnológico da empresa e o papel que o país pode desempenhar nessa cadeia de valor.

“O que vamos produzir naquela cadeia de valor é um elemento que chamamos de carbonato de terras raras. O nosso, produzido em Aparecida de Goiânia, vem com uma qualidade muito superior ao material chinês”, afirmou. Segundo ele, enquanto a pureza média do produto da China gira em torno de 60% a 70%, a planta piloto da Aclara já alcançou 97%.

Esse diferencial, explica Nagato, amplia a atratividade do material brasileiro para parceiros internacionais. “Uma qualidade tão elevada abre portas para novas parcerias e reduz os riscos ao longo da cadeia de valor, hoje dominada pela China, que não compartilha facilmente tecnologia e conhecimento”, destacou.

O executivo lembrou ainda que o Brasil tem vantagens em relação às terras raras pesadas, de alto valor agregado, que estão nos planos da Aclara para serem produzidas em escala industrial a partir de 2028. “Hoje, os depósitos em Nova Roma representam cerca de 10% do que a China produz e algo em torno de 5% a 6% do mercado global. Isso já é o dobro do que se produz em algumas regiões asiáticas”, observou.

A projeção é que a demanda mundial por esses elementos dobre até 2030, puxada pelo crescimento de setores como mobilidade elétrica, turbinas eólicas, defesa e robótica. “Mesmo com todo esse potencial, o Brasil não vai ser suficiente para absorver tudo. Só para dar uma ideia, o que pretendemos produzir em 2028 seria suficiente para abastecer de quatro a cinco milhões de carros por ano. A indústria nacional não tem como consumir esse volume, portanto grande parte terá que ser exportada”, disse.

Nagato ressaltou, porém, que o país precisará ter clareza sobre seu papel no mercado global. “Hoje falamos em dois dígitos de participação, mas no futuro essa fatia pode cair para algo próximo de 2% ou 3%. Nosso colega da Aclara costuma dizer que o Brasil será apenas uma gota no oceano. E é isso mesmo: diante da demanda crescente, seremos uma fração, mas uma fração altamente qualificada e estratégica.”

Mineração responsável do início ao fim

O avanço da exploração de terras raras no Brasil não depende apenas de viabilidade geológica e financeira. Para garantir sucesso e legitimidade, os projetos precisam nascer com uma base socioambiental sólida. Essa foi a mensagem central de Rolf Fuchs, presidente da Integratio Consultoria.

Fuchs tem experiência direta no tema, incluindo a assessoria à Serra Verde, desde o estágio inicial até a licença de instalação, e o trabalho com a Aclara. “Se mineração fosse apenas geologia e engenharia, seria muito fácil. A viabilidade econômica é essencial, mas hoje não existe mais empreendimento que não tenha sua viabilização socioambiental”, afirmou.

O especialista ressaltou que os projetos de terras raras em argilas iônicas possuem características singulares. “Essas jazidas funcionam como uma ‘lavra-caminha’: à medida que você avança na lavra, já é possível recuperar a área atrás. Mas, se o pós-mina não for planejado desde o início, o risco de errar é muito maior”, explicou, comparando o modelo ao de minas de bauxita em Minas Gerais ou de titânio no Rio Grande do Sul.

Entre os desafios apontados, estão diagnósticos de saúde e ambientais, fundamentais para evitar mitos e boatos sobre radioatividade. “Se não tivermos indicadores claros, as narrativas de que mineração de terras raras aumenta câncer ou contaminação vão se espalhar. O único jeito de combater isso é com argumentos técnicos e transparentes”, alertou.

Outro ponto crucial é o relacionamento com comunidades locais. “Ninguém gosta de ter um vizinho barulhento, poluidor ou desconhecido. Então, por que a mineração seria vista de forma diferente? Se o empreendimento não se integrar à comunidade, aumenta o risco de oposição, boatos e conflitos”, disse Fuchs, defendendo planos de comunicação, convivência e educação ambiental desde a fase inicial.

Ele também destacou a importância de pensar no encerramento das operações. “Algum dia a mina vai acabar. A obrigação de vocês, geólogos e executivos, é prolongar esse momento ao máximo, mas é preciso preparar o terreno para quando isso acontecer. O fechamento de mina tem que ser integrado, com participação de empresas, governos, cadeias de fornecimento e da própria comunidade”, afirmou.

Como exemplos de boas práticas, citou projetos que devolveram áreas à vocação agrícola, garantindo mais produtividade aos pequenos produtores com assistência técnica. Mas Fuchs também apontou alternativas inovadoras: “Por que não instalar fazendas solares em áreas já mineradas? Assim, além de encerrar a mina de forma responsável, se gera uma nova fonte de riqueza e desenvolvimento regional.”

Para o consultor, a mineração de terras raras no Brasil só terá futuro sólido se houver esforço conjunto entre empresas, universidades, centros de pesquisa, governos e sociedade civil. “A mineração é necessária, mas precisa ser responsável. O pós-mina não é um detalhe; é parte essencial da viabilidade de qualquer empreendimento”, concluiu.

Cadeia completa de ímãs de terras raras

A construção de uma cadeia produtiva nacional para os ímãs permanentes de terras raras – essenciais na transição energética e em setores de alta tecnologia – foi o tema central das apresentações de Luís Gonzaga Trabasso (Instituto Senai de Inovação/SC), Ysrael Vera (CETEM/RJ) e André Luiz Nunis da Silva (IPT/SP). Os especialistas destacaram avanços, desafios tecnológicos e a importância de integrar empresas, institutos de pesquisa e governo em um projeto de país.

O professor Luís Gonzaga Trabasso apresentou o projeto Magbras, concebido como um “demonstrador industrial” de ciclo completo para produção brasileira de ímãs de terras raras, da mineração à reciclagem. “É um projeto de país, fruto da integração de 28 empresas e sete instituições de ciência e tecnologia. O nosso lema sempre foi da mina ao ímã”, explicou.

Segundo Trabasso, a aprovação do projeto em edital estruturante do Senai e Fundep, após uma primeira tentativa frustrada, foi um divisor de águas. “Na primeira submissão não havia mineradoras. Agora temos 12 empresas do setor integradas, o que garante uma visão completa de ciclo de vida”, destacou.

Ele enfatizou que o objetivo do Magbras não é suprir a demanda nacional de ímãs – estimada em 10 mil toneladas por ano – mas estabelecer uma referência tecnológica. “O que estamos propondo não é resolver a demanda, mas apresentar um demonstrador industrial, com todas as etapas da cadeia, incluindo reciclagem”, afirmou.

Na sequência, Ysrael Vera, pesquisador do CETEM/RJ, detalhou os avanços nos processos de separação e purificação de terras raras, etapa considerada o “coração tecnológico” da cadeia. “Os chineses demoraram 30 anos para dominar essas técnicas. O Brasil não pode perder tempo. Precisamos investir em pesquisa e planta piloto agora, porque sem domínio da separação não há independência tecnológica”, alertou.

Vera ressaltou ainda a importância de reduzir impactos ambientais nos processos de beneficiamento. “O mundo não aceita mais tecnologias poluidoras. Temos que mostrar que o Brasil pode produzir terras raras de forma sustentável e com padrões internacionais de ESG”, defendeu.

Encerrando as apresentações, André Luiz Nunis da Silva, engenheiro químico e pesquisador do IPT/SP, mostrou o trabalho desenvolvido pela instituição ao longo de mais de uma década na etapa de redução de óxidos a metais e na produção de ligas magnéticas.

“As terras raras são chamadas de raras não porque sejam escassas, mas pela dificuldade em processá-las. Transformar óxidos em metais exige superar barreiras termodinâmicas. É um desafio científico e industrial”, explicou.

Ele informou que o IPT vem testando rotas metalotérmicas e eletroquímicas para produção de metais como neodímio e disprósio, além de desenvolver técnicas para obtenção de ligas e pós metálicos usados na fabricação dos ímãs. “A rota eletroquímica tem mostrado maior eficiência e possibilidade de escalabilidade. Já conseguimos produzir amostras de ímãs em escala piloto, com qualidade comparável à internacional”, revelou.

Nunis destacou que, além do desafio tecnológico, é preciso criar um ecossistema de inovação integrado. “Estamos falando de uma cadeia que vai da mineração à manufatura avançada. Nenhum instituto sozinho consegue dar conta disso. A chave é a cooperação entre ICTs, empresas e governo”, afirmou.

O encerramento do encontro coube a Luiz Antônio Vessani, presidente e fundador do Movimento Nacional da Mineração e Desenvolvimento (Minde), que reforçou a importância de transformar o debate em ação concreta para consolidar a cadeia de terras raras no Brasil e fortalecer a indústria mineral como um todo.

“Conseguimos dois objetivos: mostrar a abundância mineral brasileira e a complexidade de todo o ciclo, da mina até o ímã”, afirmou Vessani, destacando que Goiás se apresenta como um dos polos estratégicos para essa agenda. Ele elogiou o apoio do governo estadual, da FIEG e do Senai, ressaltando a necessidade de integrar instituições de ciência e tecnologia, empresas e entidades da indústria em um projeto de país.

Ao lembrar os entraves enfrentados pelo setor, como o monopólio tecnológico da China e a dificuldade de atrair a indústria nacional para essa cadeia, Vessani foi categórico: “Temos potencial maior do que o da China em termos de recursos minerais. O exemplo que precisamos seguir é o de aproveitamento inteligente, que passa por política de Estado e continuidade, independentemente de mudanças de governo.”

Em sua fala, ele reforçou o papel do Minde como articulador político e institucional para garantir que o setor mineral tenha voz ativa em Brasília. “O nosso esforço é ligar as pontas, juntar competências e trazer a indústria para perto. O Minde nasceu justamente para defender e desenvolver a mineração no Brasil, mostrando que o setor não é problema, mas solução para o desenvolvimento nacional”, declarou.

Vessani encerrou emocionado, agradecendo a participação de pesquisadores, empresas e entidades que se uniram ao debate. “Cumprimos nossa função hoje. Agora, é hora de transformar esse movimento em resultados concretos para a sociedade”, concluiu, lançando o compromisso de seguir trabalhando pela criação de um Grupo de Trabalho em Goiás, como base de apoio às iniciativas que integrarão ciência, indústria e governo.

As reflexões deste encontro demonstram que o Brasil reúne não apenas recursos minerais abundantes, mas também capital humano, conhecimento científico e capacidade industrial para ocupar um papel estratégico na cadeia global de terras raras. O desafio que se coloca é transformar esse potencial em realidade por meio de políticas públicas consistentes, parcerias entre academia e indústria, inovação tecnológica e compromisso socioambiental. Se esses elementos convergirem, o país poderá não apenas atender à crescente demanda internacional, mas também se consolidar como referência mundial em produção sustentável de terras raras, agregando valor à sua economia e contribuindo para a transição energética global. (Mara Fornari)

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