Data de publicação: 19 de Outubro de 2022, 04:00h, Atualizado em: 01 de Agosto de 2024, 19:35h
Reformar o oneroso e complexo sistema tributário brasileiro deve estar entre as prioridades da agenda econômica do presidente da República eleito no dia 30 de outubro. É o que acreditam especialistas ouvidos pelo portal Brasil 61. Para eles, o atual modelo dificulta o crescimento do país, eleva os custos e prejudica a competitividade das empresas, além de trazer insegurança jurídica e, consequentemente, afastar investidores.
Para Fernanda Mansano, economista-chefe do Grupo Empiricus, a aprovação da reforma tributária é fundamental para o país. “A gente acabou não vendo isso. Claro, tem as questões da pandemia também, mas penso que a reforma tributária deve avançar. Isso melhora muito quando a gente está falando de Custo Brasil e contribui também para a gente ter mais investimentos estrangeiros”, aponta.
O Custo Brasil é um termo usado para definir um conjunto de dificuldades estruturais, burocráticas, trabalhistas e econômicas que atrapalham o crescimento do país. Ele prejudica o ambiente de negócios, encarece os produtos nacionais e a logística, e compromete os investimentos.
Segundo estimativa da Secretaria Especial de Produtividade e Competitividade em parceria com o Movimento Brasil Competitivo, o Custo Brasil retira por ano R$ 1,5 trilhão a mais das empresas brasileiras do que nos países que fazem parte da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O pagamento de tributos é o segundo eixo, entre 12, que mais contribui para o problema.
Complexo
As discussões em torno de uma reforma tributária existem há pelo menos três décadas. Em fevereiro, um novo relatório da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 110/2019 foi apresentado no Senado. A PEC 110 é uma das tentativas de aprimorar o sistema tributário, mas perdeu força com o calendário eleitoral e deve ficar para o ano que vem.
A proposta cria um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) Dual. De um lado, o IVA do governo federal, que unificaria PIS e Cofins, chamado de Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Do outro, um IVA para os entes da federação (estados, municípios e o Distrito Federal), que unificaria ICMS e ISS, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
A proposta ataca um dos maiores problemas do sistema tributário atual: a complexidade. Parte disso se deve à possibilidade de a União, estados, DF e municípios legislarem sobre tributos, o que ocorre, por exemplo, no caso da tributação sobre o consumo.
Um estudo do Instituto Liberal aponta que, desde a Constituição de 1988, foram criadas 420 mil normas tributárias em todo o país. Tanta lei e burocracia gera o que já é conhecido como "manicômio tributário”, por especialistas, autoridades políticas e o setor produtivo.
Doutora em economia e professora do Coppead da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Margarida Gutierrez, classifica o sistema tributário como caótico. “É caótico, é muito complexo, é super regressivo, porque ele está muito calcado em impostos indiretos e, apenas a nível federal, nós temos sessenta e oito impostos”, critica.
Segundo relatório publicado pelo Banco Mundial em 2021, as empresas brasileiras gastam, em média, entre 1.483 e 1.501 horas por ano para preparar, declarar e pagar tributos. O tempo é maior do que em qualquer outro país. As empresas da América Latina e Caribe levam cerca de 325 horas por ano para cumprir suas obrigações tributárias. Nos países ricos que fazem parte da OCDE, organização que o Brasil deseja participar, o tempo cai para 155 horas.
Por causa disso, José Márcio Camargo, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e economista-chefe da Genial Investimentos, afirma que a agenda econômica do presidente eleito deve priorizar a reforma tributária. “Eu acho que existem algumas coisas que são fundamentais. O Brasil precisa de uma reforma tributária para simplificar a estrutura de impostos, reformar o imposto de renda, os impostos indiretos”, diz.
Oneroso
Os especialistas afirmam que o sistema tributário não é apenas complexo, como também custa caro para o contribuinte. O mesmo estudo do Banco Mundial aponta que a carga tributária do Brasil é uma das mais altas do mundo. As empresas nacionais pagam, em média, 65,3% de seus lucros em tributos a cada ano. Isso significa que a cada R$ 100 de lucro, os empresários do país têm que pagar mais de R$ 65 em impostos.
A carga tributária nos países que fazem parte do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) é de 47%. Na América Latina e Caribe, é de 48,1%. Já nas economias de alta renda da OCDE, é de 38,8%.
Gutierrez afirma que por ser oneroso e complexo, o sistema tributário acaba concedendo muitas desonerações fiscais. “São R$ 400 bilhões em desonerações fiscais dadas ao longo de sempre e, uma vez dado um subsídio fiscal, uma desoneração fiscal, você nunca mais consegue tirar. Tem que rever isso também, e tornar o sistema mais simples, mais progressivo, mais transparente, dar um fôlego para a indústria. A indústria no Brasil é muito tributada. Isso tira a competitividade do setor industrial brasileiro. Por quê? Porque ele exporta. Então, ele se depara com um nível de competitividade já por aí mais baixo”, avalia.
De acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o setor tem a maior carga tributária do país. Enquanto a média nacional entre pessoas jurídicas é de 25,2% do Produto Interno Bruto (PIB), na indústria de transformação a carga chega a 46,2%.
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