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Os transtornos mentais e comportamentais relacionados ao uso de álcool e outras drogas são responsáveis por mais de 11 mil mortes anuais no Brasil, segundo dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde. Nesta semana é celebrado o Dia Mundial de Combate às Drogas e o Alcoolismo (20 de fevereiro), com o propósito de conscientizar a população sobre os danos causados pelo uso dessas substâncias.
A professora do Centro de Referência sobre Drogas e Vulnerabilidades Associadas da Universidade de Brasília (CRR/FCE/UnB) Andrea Donatti Gallassi explica que tanto o álcool quanto as drogas ilícitas são capazes de alterar o sistema nervoso central.
“Droga é qualquer substância que age no sistema nervoso central. Então álcool, maconha, cocaína, crack são consideradas drogas. O nome técnico que a gente usa é substância psicoativa, porque ela atua no nosso sistema nervoso central alterando a nossa percepção, alterando o seu funcionamento.”
Segunda a professora, o álcool é uma substância depressora do sistema nervoso central, que diminui a capacidade de concentração, reação e julgamento. Já a cocaína, por exemplo, é uma droga estimulante que acelera o sistema nervoso central, aumentando a vigilância e a agitação do usuário.
Por conta dessa capacidade de alteração dos sentidos, o álcool e as drogas podem trazer graves riscos aos usuários e às pessoas à sua volta. “Então o álcool, além de atuar no nosso sistema nervoso central, a gente fica sonolento. Por isso que um problema muito grande associado ao uso do álcool é o fato de que, depois que a pessoa faz uso dele, ela não pode dirigir justamente porque ela tem os reflexos prejudicados.”
“Quando você está sob efeito de álcool, essa capacidade de controle fica prejudicada. Por isso, em muitas ocasiões, você tem uso de álcool associado a quadros de violência doméstica, de violência no trânsito. Porque o álcool potencializa esse comportamento agressivo, porque ele diminui a capacidade de julgamento daquela situação”, acrescenta.
Segundo o oficial de Controle do Tabaco e Impostos de Saúde da Organização Pan-Americana da Saúde e da Organização Mundial da Saúde (Opas/OMS), Diogo Alves, 27% dos motoristas que sofreram acidentes de trânsito afirmam ter consumido álcool antes do episódio; 20% das tentativas de suicídio estão ligadas ao uso da bebida; e mais de 40% das vítimas de violência interpessoal relatam que o agressor ingeriu bebida alcoólica antes do episódio.
Ele comenta outros prejuízos do álcool para a saúde. “O álcool é uma substância psicoativa que causa diversos prejuízos à saúde. Existem pelo menos 40 condições e enfermidades que estão diretamente relacionadas ao uso de álcool. E outras mais de 200 que estão indiretamente ligadas ao uso de bebidas alcoólicas. E vai das mais variadas possíveis, desde distúrbios mentais, comportamentais, a própria dependência, até doenças do sistema gastrointestinal e outros cânceres”.
Segundo pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o álcool é a droga mais consumida no Brasil, uma vez que ela é de fácil acesso. De acordo com o levantamento, mais da metade da população brasileira entre 12 e 65 anos já consumiu bebida alcoólica pelo menos uma vez na vida.
O alto consumo da substância e sua dependência geram problemas para a saúde pública. Segundo o porta-voz da Opas Diogo Alves, o Ministério da Saúde estima que o álcool causa um impacto de mais de R$ 100 milhões só em internações.
“Essas internações compreendem doenças relacionadas ao álcool, mas também os agravos, que seriam os próprios acidentes. Tanto é que alguns governos estaduais, no início da pandemia, quando não havia leitos suficientes para tratamento [de Covid-19], acabaram por adotar medidas mais severas em relação a beber e dirigir, justamente porque o álcool acaba sendo um dos agravantes ou aquele que mais ocupa as UTIs.”
Segundo Diogo Alves, a dependência do álcool também causa impactos socioeconômicos na vida do usuário.
“As pessoas que entram num tratamento de algum transtorno relacionado ao álcool vão se ausentar do seu trabalho onerando, por exemplo, a previdência social e também o próprio desenvolvimento; há uma perda de produtividade. Além de ser uma substância responsável por mais de 3 milhões de óbitos no mundo, ele causa 5% de todos os anos de vida perdidos. O que isso quer dizer? As pessoas que vivem com uma condição precária ao longo da vida, 5% estão relacionados ao álcool. Isso tem um impacto econômico também justamente na perda de produtividade.”
Quem conhece hoje o Rogério Soares de Araújo não imagina que ele foi morador de rua por 25 anos, depende de álcool e crack. Nascido em 1971, foi abandonado pelos pais logo após o nascimento e levado para um orfanato. Ao sair da instituição, Rogério foi morar nas ruas, onde conheceu o mundo das drogas e do álcool.
“Na verdade, o crack fez eu voltar às minhas origens, já que eu tinha nascido na rua. Então eu achava normal. Mas o que me fez estar em situação de rua foi o consumo excessivo de crack juntamente com o álcool. Eu perdi a responsabilidade de trabalho, perdi moradia”, conta.
De 1989 até 2014, Rogério viveu nas ruas de vários estados, como São Paulo, Minas Gerais, Goiás, até chegar em Brasília (DF).
“O crack fez com que eu perdesse minha vontade de viver. Eu já era uma pessoa que andava com saco de lixo nas costas, seis meses sem tomar banho, comia comida do lixo e bebia álcool de posto de carro”, relata.
Após 14 internações em instituições de recuperação, Rogério conseguiu vencer a dependência do álcool e das drogas e desde então vem ajudando moradores de ruas que enfrentam o mesmo desafio.
“Quando eu saí das ruas, que eu consegui vencer o álcool e as drogas, eu pensei em levar algo a mais para rua, além de uma comida e uma roupa. Porque eu sempre sentia falta. E hoje a gente tem um ônibus que oferece um banho quente, uma roupa, oferecemos comida, mas pensando em uma dinâmica total. Hoje a gente consegue levar esporte, cultura e lazer. Eu tenho uma equipe de enfermagem que cuida dessas pessoas que estão em situação de rua.”
Segundo Rogério, o objetivo do projeto Barba na Rua é conscientizar os moradores de rua sobre a importância de tratar a dependência do álcool e das drogas para que eles possam retomar o vínculo com os familiares.
Em média, 300 refeições são servidas todos os sábados pelas ruas da capital, além dos banhos e outros atendimentos. Segundo Rogério, o projeto atende em média 700 pessoas em situação de vulnerabilidade mensalmente. A maior parte da iniciativa é custeada com recursos de doadores da sociedade civil.
Para conhecer mais sobre o projeto, acesse o Instagram @barbanarua ou @institutobarbanarua.
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A Organização Mundial da Saúde (Opas/OMS), juntamente com seu secretariado e países membros, recomenda que os governos tomem medidas para tornar o álcool uma droga menos acessível.
“Reduzir horários de venda; reduzir estabelecimentos que os vendem; fazer cumprir, por exemplo, o Estatuto da Criança e do Adolescente para que a venda não seja para menores de idade. Também existe a parte de restringir a propaganda e a publicidade de bebidas alcoólicas, justamente para não causar uma desinformação ao consumidor.
Por outro lado, também recomenda-se trabalhar na informação para esse consumidor. Quais são os impactos? Que isso esteja bem claro por meio de campanhas, no próprio rótulo dessas bebidas para o consumidor”, recomenda Diogo Alves.
Outra orientação da Opas/OMS como política pública é aumentar os impostos das bebidas alcoólicas, o que vai trazer o retorno financeiro ao governo - na parte onde sofre um dispêndio muito alto na saúde - ao mesmo tempo que vai tornar o produto menos acessível para o público mais vulnerável, principalmente os mais jovens.
“E há outras medidas também que é a parte de oferecer tratamento. No Brasil, ele é oferecido de forma totalmente gratuita no SUS. Fazer estudos de qual é o impacto do álcool no desenvolvimento e na saúde. Implantar políticas de beber e dirigir, como o Brasil já vem implementando na parte de Lei Seca. Trabalhar fortemente na parte de comunicação também. E trabalhar na parte de vigilância para se ter uma dimensão desse problema de saúde relacionado ao álcool”, acrescenta Diogo Alves.
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