O projeto de decreto legislativo (PDL 206/2024), que reduz exigências para a posse de armas, anula trechos do decreto sobre o tema assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2023, que vigora hoje. Os senadores aprovaram a urgência para a proposta e a votação do texto foi adiada para o dia 27 de agosto.
Entre os pontos polêmicos do projeto de decreto legislativo, está a anulação da proibição de clubes de tiro a menos de um quilômetro de distância de escolas.
O especialista em Inteligência Policial e Segurança Pública (Escola Superior de Direito Policial/FCA) e presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (ADPESP), André Santos Pereira, destaca que há posicionamentos contrários e favoráveis à alteração do decreto em vigor. Segundo André, quem defende que não há problemas de existirem clubes de tiro próximos às escolas afirma não existirem fatos que comprovem impactos ruins a essas comunidades escolares.
“Os que defendem dizem que não há problemas desses estabelecimentos estarem próximos, tendo em vista que não existem eventos relacionados aos disparos dentro dos clubes de tiro que impactem na vida das pessoas que circulam ali, próximas do ambiente escolar, ou seja, o que pode ocorrer com relação a algum evento relacionado a armas de fogo ocorre fora do clube de tiro e não em decorrência do clube de tiro”, diz.
Aqueles que são contra a flexibilização de regras para permitir a existência de clubes de tiro há menos de um quilômetro de escolas destacam que ter esses locais de tiro nas proximidades de alunos geram riscos para possíveis situações violentas, sejam motivadas por assaltos, ou por problemas nos próprios clubes.
“Já com relação àqueles que defendem que os clubes de tiro não podem ficar próximos às escolas dizem que uma circulação de pessoas com armas de fogo, ainda que sejam os atiradores ou os colecionadores, frequentando ali o clube de tiro, isso pode ter relação e pode aumentar a probabilidade de algum evento, alguma situação, em que essa arma de fogo possa ser disparada por quem esteja ali circulando próximo ao clube de tiro, ainda que não em decorrência de algo que tenha ocorrido dentro do clube de tiro, mas que isso pode impactar na vida das pessoas porque aumentaria o risco de um disparo de arma de fogo próximo às escolas”, ressalta André.
O PDL estabelece, ainda, mudanças sobre as armas de gás comprimido ou por ação de mola. Esses tipos de artefatos, com calibre superior a seis milímetros, são de uso restrito das Forças Armadas ou de pessoas e instituições autorizadas pelo Exército. Neste caso, precisam de certificado de registro para atirador desportivo que use esse tipo de arma. Tais medidas são suprimidas do decreto pelo PDL.
O decreto do PDL exclui a exigência dos limites para a prática de tiro desportivo, um número mínimo de treinamentos (8, 12 ou 20) e de competições (4, 6, 8) a cada 12 meses conforme os diferentes níveis de prática.
O decreto retira ainda, a proibição de se destinar arma de fogo restrita para atividade diferente da declarada na compra.
Como já passou pela Câmara, se aprovado pelo Senado, o texto segue para a promulgação do Congresso sem que haja necessidade de sanção ou veto presidencial.
A Resolução 129/2023, da Agência Nacional de Mineração (ANM), direcionada a empresas e profissionais que atuam na extração de metais e pedras preciosas no Brasil foi bem recebida pelo setor, mas dividiu opiniões. Mesmo sendo bem-vindas, as novas normas baixadas pelo órgão regulador podem não ter efeito prático devido à realidade encontrada nos garimpos espalhados pelo Brasil, segundo alguns analistas.
A decisão da ANM entrou em vigor no último dia 27 de março e determina que mineradores coletem “informações suspeitas” de interessados na compra de seus produtos e as transmitam ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). O objetivo seria “combater a lavagem de dinheiro, o financiamento do terrorismo e a proliferação de armas”.
A Resolução ordena também que o minerador colete dados e formação de cadastro dos clientes, envolvidos direta ou indiretamente nas propostas de aquisição, registro das operações de comercialização efetivadas, os quais deverão ser mantidos pelo prazo de dez anos. A ANM é uma autarquia ligada ao governo federal, criada pela Lei número 13.575 de 26 de dezembro de 2017, e funciona vinculada ao Ministério de Minas e Energia.
Segundo Julio Nery, diretor de Sustentabilidade e Assuntos Minerários do Ibram (Instituto brasileiro de Mineração), a decisão da ANM “é muito bem-vinda”. O porta-voz do Ibram explicou que as determinações da Resolução “são extremamente importantes” porque fazem parte de um rol de medidas que devem ser tomadas para trazer mais responsabilidade e segurança ao setor.
Nery acrescenta que a decisão “não é uma solução única, mas uma parte importante das medidas que precisam ser tomadas porque antes se podia fazer comercialização do ouro ou de metais preciosos e ter somente documentos físicos em papel”. Ele esclareceu que sempre houve “a lei da boa fé”.
“Era uma lei que garantia ao primeiro comprador que ele estava comprando um produto de boa fé. Portanto, não teria responsabilidade sobre a origem dessa conta”, detalhou o representante da ANM. De acordo com Nery, a Resolução da ANM foi um passo no sentido de obrigar a manutenção do registro do vendedor e do comprador na Agência por um período de 10 anos, de forma eletrônica: “Então é algo muito mais auditável do que um documento físico, no papel”, afirmou.
“Entendemos que isso foi um avanço”, declarou o porta-voz do Ibram. Segundo Nery, a posição do Ibram foi de condenar ilicitudes e condenar mesmo a existência da “lei da boa fé, da nota fiscal ser em papel, de não haver o registro de comprador de uma forma auditável mais fácil”.
As evidências de criminalidade – segundo ele – “estão [a cargo] do Instituto Escolhas e a nossa posição sempre foi pela revogação da lei da boa fé, pela instituição da nota fiscal eletrônica e pelo registro comprador e vendedor”.
Para Luiz Vessani, diretor da Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa Mineral (ABPM), a decisão ANM “é uma normativa difícil de implantar”, porque a grande produção de ouro e diamante no Brasil não é feita “no comércio picadinho” por pequenos garimpos.
Segundo ele, o grande volume de ouro e diamante extraído no país é oriundo de grandes contratos. Já as pedras preciosas, segundo Vessani, “já entram num sistema nebuloso que é necessário controle, mas é muito difícil de controlar”.
O diretor da ABPM, que em 2021 foi eleito “personalidade do ano do setor mineral”, explicou a dificuldade que os órgãos de fiscalização enfrentam para exercer controle no setor. “Esse controle de pedras preciosas, por exemplo, é muito difícil de se efetivar, por causa da característica do material”, esclareceu, exemplificando: “Se você pega uma esmeralda que tenha 50 gramas, de primeira qualidade, é menor do que uma caixa de fósforo e isso vale milhões. Então se a pessoa põe no bolso – se quiser transgredir, é fácil”, detalhou Vessani, que também preside o Sindicato da Mineração de Goiás (Sieeg).
O Brasil é um dos principais produtores de pedras preciosas do mundo, com destaque para diamante, esmeralda, safira, água-marinha e turmalina. Essas pedras são utilizadas em diversos setores da economia, como joalherias, eletrônicos, indústria de cosméticos.
Segundo a ANM, em 2022 a produção mineral brasileira alcançou um valor de R$ 250 bilhões. Conforme relatório divulgado pelo Ibram, só a produção de ouro no Brasil, de janeiro de 2021 a junho de 2022, foi de cerca de158 toneladas – totalizando um valor de aproximadamente R$ 44,6 bilhões.
O garimpo de pedras preciosas é uma atividade que envolve um grande esforço físico e técnico. Os garimpeiros trabalham em busca dos minerais em rios, córregos e minas subterrâneas, utilizando ferramentas manuais e equipamentos de mineração. O setor da mineração tem uma grande importância socioeconômica para as comunidades locais, em vários estados brasileiros, que dependem dela como fonte de renda.
O senador Marcos do Val (Podemos-ES) anunciou na última sexta-feira (6), no seu perfil do instagram, que fará cair o Decreto n.º 11.366, assinado pelo recém-empossado presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. A medida muda as regras para aquisição e registros de armas de fogo.
No último dia 3 de janeiro, o senador já havia apresentado o Projeto de Decreto Legislativo (PDL), que prevê a suspensão do Decreto. “Meu partido, o Podemos, junto comigo, já está apresentando uma ADIN [Ação direta de inconstitucionalidade] no STF [Supremo Tribunal Federal]. O resto já está tudo encaminhado. Já avisei ao presidente do Senado sobre o PDL. Ele já entendeu e disse que vai dar prioridade. Então, estamos cercando de todos os lados, e não vai ter outra alternativa. O decreto vai cair”, pontuou.
De acordo com o cientista político André César, o Projeto de Decreto Legislativo pode revogar normas do Poder Executivo, mas precisa ser aprovado por duas Casas do Congresso Nacional, por maioria absoluta na Câmara e no Senado. Além disso, antes de ir ao plenário, é necessário passar em comissões temáticas ou obter aprovação em um requerimento para tramitação em regime de urgência.
“No caso, tem duas questões. Primeiro que você derruba a eventual suspensão do decreto, revoga as ideias propostas pelo novo governo. E, segundo, que seria uma demonstração de fraqueza. O governo Lula, que acabou de chegar, não tem os votos necessários para aprovar matérias importantes da agenda dele”, afirma César.
O decreto assinado pelo presidente “suspende os registros para aquisição e transferências de armas e munições de uso restrito de caçadores, colecionadores e atiradores e particulares, suspende o novos registros de clubes e de escolas de tiro, suspende novos registros de caçadores, colecionadores e atiradores.”
Marcos do Val ressalta que o Decreto de Lula é inconstitucional, já que passar o controle e fiscalização sobre os Cacs das Forças Armadas para a Polícia Federal altera o artigo 4ª da Lei do Desarmamento.
Além disso, o senador afirma que isso deve ser feito em um período de 60 dias. “Conversei com a cúpula da Polícia Federal e eles disseram que é humanamente impossível, ainda mais em 60 dias. Disseram que levaria alguns anos. Eles nem foram consultados antes se havia possibilidade, se o tempo era viável, se tinha condições ou não, se era dentro da Constituição, se não era”, destacou.
Do Val também informa que a Polícia Federal já possui acesso às informações do CACs e, por isso, não precisa fazer esse recadastramento. De acordo com ele, sem essa checagem, daqui a 60 dias, cerca de dois milhões de pessoas estariam cometendo o crime de posse ilegal de arma. “Quem pensa que a arma registrada do cidadão que segue a lei vai para o crime? É mentira, isso é coisa do passado, dez, quinze, vinte anos atrás”, declara.
Segundo o economista Vinicius Peçanha, candidato a PHD pela Universidade de British Columbia e pesquisador de tópicos relacionados à segurança pública, existem dois tópicos importantes sobre essa questão: o impacto econômico no setor de armas e o custo de vidas potenciais. “Existe uma regulamentação necessária, dado que o uso irrestrito ou a circulação irrestrita de armas pode sim causar mais mortes. Hoje, a literatura científica indica que o custo humano é muito maior do que o custo econômico”, declara.
Peçanha afirma que, em 2018, havia um número estimado de oito milhões de armas registradas no país. Mas, devido aos decretos que flexibilizaram o porte, hoje não existe uma transparência quanto ao número de armamento no Brasil. “Se a gente assume essa perspectiva que mais armas causam mais homicídios e existe esse aumento que a gente não sabe quanto, é importante a gente dar um passo atrás e falar: vamos entender o que que está acontecendo aqui para mensurar esse impacto antes da gente pensar em alguma outra coisa”, disse.
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Com a publicação, nesta semana, da revogação de algumas normas do decreto das armas, que restringe a compra de armamentos, alguns lojistas se mostram preocupados com o possível impacto econômico que a medida pode gerar para o setor, como a baixa nas vendas e o temor de não conseguir honrar com a folha de pagamento de funcionários.
Um dos lojistas do ramo que está preocupado com a situação é Eduardo Oliveira. Ele é CAC (sigla para colecionador, atirador, caçador) há 15 anos e instrutor de tiro há 10 anos, mas também tem uma loja de armamentos em Fortaleza, no Ceará. Eduardo diz que os investimentos em novas compras para a loja ficará mais restrito e teme pelo futuro do estabelecimento.
“Financeiramente gera um impacto muito grande na minha empresa. Na data de hoje, estou demitindo nove funcionários, porque não tem mais o que eles fazerem. É um impacto muito grande em relação à minha empresa, ao meu ramo.”, afirma o empresário.
O economista Marcos Melo analisa que o cenário econômico consequente dessa revogação é de menos investimento das empresas tanto na compra de mais produtos, acessórios e armamentos, quanto na abertura de novos estabelecimentos. O especialista também afirma que é possível que haja mais demissões no setor.
“Os empresários, na medida em que percebem a diminuição desse mercado, tendem a investir menos, tanto em abrir novas empresas quanto, as empresas que já estavam abertas, demitir pessoal por conta da falta de movimento e também de compra de novos produtos.”, analisa o economista.
Marcos Melo também observa que a medida afeta toda a cadeia produtiva de armamentos, como fábricas brasileiras de armas e munições que possivelmente sentirão os efeitos do decreto.
O doutor e mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP) Matheus Falivene pontua que a revogação das normas do decreto das armas não é “fruto de uma política pública bem pensada e estruturada”. O especialista em segurança pública aponta que a medida é política com a finalidade de contrapor a política do governo federal anterior.
“Dessa forma, o que vai acontecer em grande medida é o mesmo que aconteceu quando da promulgação do Estatuto do Desarmamento, em 2003, que era tido como uma grande promessa no combate à violência, mas que teve um efeito muito pequeno na redução da criminalidade.”, analisa Matheus Falivene.
Para o doutor em Direito Penal, a política desarmamentista não tem impactos tão efetivos quanto o esperado em relação à melhoria da segurança pública, principalmente a segurança pública urbana, quando se comparado os períodos antes e depois do Estatuto do Desarmamento.
Em relação aos lojistas e empresários que se sentirem lesados com o novo decreto, Matheus Falivene afirma que é possível que esses recorram ao Poder Judiciário para verificar se a medida é legal e constitucional. O especialista considera o decreto mais restritivo do que o próprio Estatuto do Desarmamento.
“O decreto serve para regulamentar uma lei, porém ele não pode ultrapassar os limites dessa lei.”, aponta o doutor em Direito Penal.
Outro aspecto que também recebe críticas dos defensores do direito de as pessoas idôneas terem acesso facilitado às armas é que, no Brasil, há grande número de políticos e autoridades públicas que utilizam serviços de segurança armada, livremente, sem estarem sujeitos às mesmas restrições impostas aos cidadãos comuns, como agora.